.caleidoscópio de fragmentadas sequências.
segunda-feira, junho 13, 2016
Invejo os de vida simples.
Que baseiam os seus dias no despertar do sol ou na qualidade das marés...
Invejo esse pescador que em minha frente desenrola sua rede, desprendendo os sargaços, observando os remendos. Diante da canoa envelhecida, perfaz seu ofício, e ai dos que acreditam ser esse um trabalho isento de raciocínio e atenção.
Em seu corpo, negro e altivo, estão impressas as marcas da lida com o mar.
Suponho que carregue entranhado em suas mãos o cheiro dos pescados, como um espécie de auto-afirmação. A resistência de ser pescador, da qual é preciso se vestir todas as manhãs.
Peço-te que ao despertar, antes mesmo que teu corpo voluntariamente se disponha a estar de pé, promovendo os ofícios que te impelem o exercício do devir cotidiano, possa cerrar os olhos e exibir à tua memória a seguinte cena:
Esteja tu diante de mim, nossos corpos alinhados em mesmo eixo, deixando se interpor entre eles nada além do ar aquecido. Quero que dê um passo atrás, desenlace seu abraço, se afastando não mais que a distância com que possa tocar com a ponta dos dedos a minha face.
Estando em minha frente, com ombros à altura e erguidos, mire nos meus olhos. Quero que olhe pra mim como se isso fosse tudo que pudesse possuir nesse momento, as lembranças de minúcias, os detalhes tantas vezes esquecidos. Peço que me encare sem desviar o olhar.
Da tua boca, não espero murmúrios, dissabores, beijos calorosos. Quero o silêncio pronunciado.
Quero as nossas palmas coladas, o suor derramado e único... Essa pequena pausa na loucura do nosso cotidiano.
Não quero promessas. Quero a gente assim, cru, despidos de nossos medos, peito à mostra.
Deixando verter nossos desejos.
Quero sua presença, quando ausente. E saber-te inteiro em meio às tardes que te invoco em pensamento.
Esteja tu diante de mim, nossos corpos alinhados em mesmo eixo, deixando se interpor entre eles nada além do ar aquecido. Quero que dê um passo atrás, desenlace seu abraço, se afastando não mais que a distância com que possa tocar com a ponta dos dedos a minha face.
Estando em minha frente, com ombros à altura e erguidos, mire nos meus olhos. Quero que olhe pra mim como se isso fosse tudo que pudesse possuir nesse momento, as lembranças de minúcias, os detalhes tantas vezes esquecidos. Peço que me encare sem desviar o olhar.
Da tua boca, não espero murmúrios, dissabores, beijos calorosos. Quero o silêncio pronunciado.
Quero as nossas palmas coladas, o suor derramado e único... Essa pequena pausa na loucura do nosso cotidiano.
Não quero promessas. Quero a gente assim, cru, despidos de nossos medos, peito à mostra.
Deixando verter nossos desejos.
Quero sua presença, quando ausente. E saber-te inteiro em meio às tardes que te invoco em pensamento.
segunda-feira, janeiro 11, 2016
Sobre as idas
Não quero traçar objetivamente o caminho percorrido pelo mar, entre Valença e Boipeba, tampouco o movimento feito por dentro da ilha, até a chegada no vilarejo de Moreré.
O que meu peito invoca é essa beleza incapaz de figurar nas páginas de qualquer diário, e que nem a fotografia mais adequada às luzes e matizes do fim da tarde seria capaz de captar. Se nem nossos próprios olhos conseguem reter esses elementos vocativos, o que esperar dessa nossa busca em materializar os sentidos?
De qualquer maneira, o registro traz fragmentos que, aliados às nossas lembranças, conjugam o pretérito no tempo do agora.
O que meu peito invoca é essa beleza incapaz de figurar nas páginas de qualquer diário, e que nem a fotografia mais adequada às luzes e matizes do fim da tarde seria capaz de captar. Se nem nossos próprios olhos conseguem reter esses elementos vocativos, o que esperar dessa nossa busca em materializar os sentidos?
De qualquer maneira, o registro traz fragmentos que, aliados às nossas lembranças, conjugam o pretérito no tempo do agora.
quarta-feira, dezembro 16, 2015
Sobre o nosso agir cotidiano e esse tal de instinto materno
Alessandra recebeu daquele jeito
duro a notícia. Ali, sentada numa salinha sem portas, bem na entrada do centro
obstétrico. Havia apenas uma cortina que nos separava do corredor, um local de
passagem pelo qual todos que adentravam tinham trânsito livre. Sentada numa
cadeira, posicionada ao lado de uma mesinha cheia de papéis espalhados,
podia-se perceber a tensão que vibrava dos seus ombros. Tinha linhas de
expressão bem marcadas, um rosto até doce, mas que naquele momento deixavam
transparecer nada além de inquietude. Ela era bonita. Morena, seus cabelos
lisos e bagunçados emolduravam seu rosto, mesmo estando presos em um rabo de
cavalo feito de qualquer maneira. Parecia condizer com a pressa que carregava
consigo. Ela me olhava, um jeito atroz, sem saber o que dizer. Em suas mãos, um
papel grampeado, ainda incólume.
- O que você está sentindo? –
perguntei, de forma meio automática.
Era quase sete da noite, em breve
acabaria meu horário do plantão. Não havia sido eu quem preenchera sua ficha de
admissão no serviço. Mas tinha na memória a lembrança de tê-la visto em pé, próxima
à porta, ainda no início da tarde.
Ela me falou das dores que sentia
há alguns dias, como pontadas, na barriga. E da sua saga, passando em diversos
outros serviços de saúde antes de pousar ali na minha frente. Sentia dor e
estava cansada. Queria saber por que diabos ninguém sanava essa sua queixa,
nada parecia solucionar esse desatino.
Olhei a sua ficha bem
rapidamente, vi que haviam solicitado exames, e aquele papel que carregava
consigo provavelmente era o resultado que trazia. Pedi a ela que me entregasse. Ao abrir, um
laudo de ultrassonografia trazia a suspeita: uma provável gravidez ectópica.
Ainda havia uma imagem pouco nítida, mas que podia representar também um feto
se desenvolvendo em seu útero.
- É sua primeira gravidez,
Alessandra?
Pude ver seu semblante se
contrair, numa tentativa de conter as lágrimas que transbordavam de seus olhos
negros. Mas a lágrima correu,
inevitável. Ela parecia não entender o que eu
acabara de pronunciar, como se tivéssemos nos comunicando em dialetos
distintos, numa terra de cegos, onde de nada vale à nossa linguagem dos corpos.
Não pronunciou uma palavra.
Sem saber o que fazer, chamei uma
médica pra me ajudar a decifrar aquele caso, e poder dar uma resposta àquela
moça. A médica, assim como eu, encerraria seu plantão dentro de poucos minutos,
e parecia apressada. De pé, recostada na maca daquele cubículo, olhou de forma
contumaz praquele que deveria ser o sei lá qual número dos vários exames que havia
visto naquele dia, e chamou outros colegas. Vieram mais dois, se reuniram
defronte a paciente, que demonstrava nada entender. Ela os olhava com total
incompreensão, vendo aquele mundo que não habitava, no qual imperava siglas e
palavras estranhas, que em geral quando pronunciadas soam como uma maldição aos
ouvidos de quem não domina esse dialeto cientificado.
Eles analisavam as imagens e
discutiam entre si, falando que poderia ser só uma gravidez fora do útero, mas
que havia uma imagem sugestiva de algo se desenvolvendo também dentro dele. Um
saco embrionário. Podia ser as duas coisas juntas, mas precisaria de mais
exames para chegar a alguma conclusão. E o tratamento variava conforme esse sem
numero de possibilidades diagnósticas iam aparecendo. Curetagem. Tratamento com
metrotexato. Laparotomia. Prendi-me àquela discussão, era de fato um caso
interessante a ser discutido e investigado, quando me dei conta de que havia
mais alguém ali que demonstrava claramente não entender nada dos rumos que
aquele debate sobre seus exames havia tomado.
Eu e Alessandra olhávamos, por
motivos distintos, pr’aquela cena, sem saber como agir. Pedi então, numa
tentativa de ajuda-la da forma como me cabia, que a médica explicasse tudo que
estávamos falando, numa linguagem mais compreensível. Então ela o fez. Falou
sobre a gravidez, que poderia ser só ectópica, dava pra tratar com medicamento.
Mas se a dor piorasse, abrir a sua barriga era uma possibilidade real. Se
tivesse um feto viável, eles tentariam preservá-lo. E , de forma unanime,
achavam cauteloso interna-la já naquele momento.
Alessandra ergueu seu corpo,
encostando a coluna no recosto da cadeira de plástico onde estava sentada há
alguns minutos. Queria que ela dissesse alguma coisa, mas seu silêncio
lancinante era o que de mais coeso ela poderia deixar transparecer sobre si. Eu
aguardava, sem jeito, que ela me falasse algo, mas as palavras morreram em seus
lábios.
- O que foi? – perguntei a ela – tem
alguma dúvida sobre a explicação que a médica te deu, gostaria de ligar pra
alguém?
Foi o que de mais elaborado
consegui organizar em mente para dizer naquele momento.
Ela então me falou. Que não sabia estar grávida.
Que havia terminado o namoro há poucas semanas.
Que estava em um emprego novo.
E que seu chão havia se desfeito ali, bem na sua frente.
quarta-feira, junho 12, 2013
Memória
Eu já não me recordo como é isso de sentir a vida.
A vida tem sido passagem de horas, contagem do tempo através do mundo que se transforma pela vista dos meus olhos, tão cansados de ver toda essa mesmice.
Vou dormir, estou tão cansada.
Ao acordar: nenhum minuto pode ser desperdiçado.
E só tenho sido essa coisa viva, sem significado.
O tempo me é negado cotidianamente. Me é usurpada a possibilidade de sensações reais.
Eu não queria muito, só um tantinho de viver.
A vida tem sido passagem de horas, contagem do tempo através do mundo que se transforma pela vista dos meus olhos, tão cansados de ver toda essa mesmice.
Vou dormir, estou tão cansada.
Ao acordar: nenhum minuto pode ser desperdiçado.
E só tenho sido essa coisa viva, sem significado.
O tempo me é negado cotidianamente. Me é usurpada a possibilidade de sensações reais.
Eu não queria muito, só um tantinho de viver.
sexta-feira, maio 11, 2012
A gente nunca sabe quando vai ser surpreendido pelo destino.
Nunca sabemos quando é o "nosso tempo". Nosso tempo não é "quando"; é eterno.
Enquanto vamos objetivando planos, o tempo vai seguindo, no gotejar das horas. Sem sequer esperar.
Vamos crescendo, construindo vivências, e, sem perceber, quando abrimos os olhos as coisas estão esgotadas.
Não há mais o que fazer, o que se pensar, pois todos os sentimentos já foram sentidos, e todos os pensamentos já foram pensados.
Só não se esgotaram os sonhos, porque simplesmente não despertaram.
Nunca sabemos quando é o "nosso tempo". Nosso tempo não é "quando"; é eterno.
Enquanto vamos objetivando planos, o tempo vai seguindo, no gotejar das horas. Sem sequer esperar.
Vamos crescendo, construindo vivências, e, sem perceber, quando abrimos os olhos as coisas estão esgotadas.
Não há mais o que fazer, o que se pensar, pois todos os sentimentos já foram sentidos, e todos os pensamentos já foram pensados.
Só não se esgotaram os sonhos, porque simplesmente não despertaram.
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